Giovanni Reale
A atitude polêmica em relação à filosofia assumida por Quinto Setímio Florêncio Tertuliano foi muito mais forte. Nascido pouco depois da metade do século II em Cartago, tem como o grande destaque de suas obras o Apologético. Outras obras suas interessantes por vários aspectos são: O testemunho da alma, Contra os judeus, As prescrições contra os heréticos, Contra Marcião, Contra os valentinianos, o Tratado sobre a alma, A carne de Cristo e A ressurreição da carne, entre outras.
Depois de ilustrar no Apologético a contraditoriedade dos filósofos e sua imoralidade, Tertuliano contrapõe os filósofos aos cristãos do seguinte modo: “Em seu conjunto, que semelhança pode-se perceber entre o filósofo e o cristão, entre o discípulo da Grécia e o candidato ao céu, entre o traficante de fama terrena e aquele que faz questão de vida, entre o vendedor de palavras e o realizador de obras, entre quem constrói sobre a rocha e quem destrói, entre quem altera e quem tutela a verdade, entre o ladrão e o custódio da verdade?” Em outras obras, Tertuliano reafirma que Atenas e Jerusalém nada têm em comum, como também a Academia e a Igreja. O cristão extrai seus ensinamentos do Pórtico de Salomão, que ensina a “procurar o Senhor com simplicidade de coração”. Tertuliano rejeita qualquer tentativa de fazer do cristianismo “uma contaminação de estoicismo, platonismo e dialética”: com efeito, a fé torna inútil qualquer outra doutrina. Para ele, os filósofos são os patriarcas dos heréticos. Como a fé em Cristo e sabedoria humana se contradizem, ele escreve na Carne de Cristo: “O Filho de Deus foi crucificado: não me envergonho disso, precisamente porque é vergonhoso. O Filho de Deus morreu: isto é crível, porque é uma loucura. Foi sepultado e ressuscitou: isto é certo, porque é impossível.” As expressões “prorsus credibile est, quia ineptum est” e “certum est, quia impossibile est” tornaram-se muito famosas, tendo sido condensadas na célebre fórmula “credo quia absurdum” que resume muito bem o espírito de Tertuliano.
Para chegar a Deus, basta uma alma simples: a cultura filosófica não ajuda, até atrapalha. No Testemunho da alma, podemos ler: “Mas não me refiro àquela alma que se formou na escola, que se treinou na biblioteca, que se empanturrou na Academia e no Pórtico da Grécia e agora dá os seus arrotos culturais. Para responder, é a ti que chamo, alma simples, ainda no redil, não manipulada ainda e privada de cultura, assim como és naqueles que só têm a ti, alma íntegra que vens dos ajuntamentos, das ruas, da fiação. Preciso da tua ignorância, porque ninguém confia em quatro noções de cultura.” E, no Apologético, Tertuliano escreve: “O testimonium animae naturaliter christianae!”
Apesar dessa viva antifilosofia, Tertuliano, em certa medida, revela-se um estóico em ontologia. Para ele, o ser é “corpo”: “nihil enim, si non corpus”, “nihil est incorpórale, nisi quod non est”. Ele deve ter absorvido essas teses sobretudo de Sêneca, a quem muito admirava. Deus é corpo, embora sui generis, assim como a alma também é corpo. O seu De anima, como construção ontológica de fundo, representa a antítese exata do Fédon.
A Tertuliano cabe o mérito de ter criado a primeira linguagem da teologia latino-cristã e de ter denunciado muitos erros da heresia gnóstica.
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